Felicidade profunda

Felicidade profunda

Uma carta que não chegará às suas mãos.

Olha a antiga garotinha, aqui. Ela cresceu, não é? Cresceu demais. O que vocês acham de mim agora? Era nisso que vocês desejavam que eu me tornasse quando crescesse? Mas agora direi umas verdades contidas em mim.

Não gosto quando vocês ficam comparando o que sou hoje, com quem eu antes era. Cresci, mudei. Não sou mais tão meiga, mas também não sou tão rebelde. Odeio quando vocês ficam me comparando com os filhos dos outros. Não preciso de filho de ninguém para ter como exemplo, porque se vocês não sabem, eles fazem coisas que eu nem mesmo teria coragem de fazer. É porque vocês não veem, ou não querem ver que na verdade, eu sou certinha demais. Obedeço vocês. Faço o que me pedem. Faço minha parte enquanto filha. Mas machuca querer sair para algum lugar e vocês desconfiarem, acharem que irei fazer algo errado, me meter numa briga, me envolver com drogas, com gente errada. Eu sei escolher muito bem meus amigos, e assim fiz. Eles podem não ser os mais divertidos, nem loucos, mas me fazem feliz. A gente só quer um tempo pra aproveitar a juventude, jogar uma conversa fora, fazer uma rodinha e rir. Guardar essas lembranças de uma fase que já se vai. Essa desconfiança em mim é cruel, esse modo estranho de fazer perguntas para ver se estou mentindo me enfraquece. Eu só quero um pouco mais de liberdade, poder escolher, fazer o que quero. E o que eu quero é seguir meu caminho, alcançar meus sonhos, deixar vocês com muito orgulho de mim. Isso parece tão difícil, uma vez que , se preciso de apoio, levo críticas e palavras que não são nada boas. Isso machuca mais. Eu só preciso de um tempo para mim,  um pouco de atenção, um pouco de mim, um pouco de vocês. Sei que o mundo é difícil, que não se pode confiar em ninguém, que pra ganhar a vida tenho que suar muito. Mas olha pra vocês. Vi e acompanhei seus passos. Pai, olhe pra você. Está enlouquecendo aos poucos, o dinheiro te faz um homem egoísta, cheio de maldade. Quantas músicas eram indiretas, e você nem percebeu? Sim, eu cantava alto, cantava pra você ouvir através da música o que eu não conseguia dizer. Usava ela como desculpa para isso. Mãe, você sabe o que fiz ontem? Sabe quem são meus amigos? Não, você não sabe. Nem me pergunta, nem me conhece. Tenho amigos que me conhecem mais que você, que me colocou aqui. Não estou reclamando da minha vida, pois Deus me deu uma família, uma casa, amigos. E por isso agradeço. Mas existem coisas que , por mais simples que sejam, fazem falta e eu sinto demais falta disso. Cresci, com essa dor. Cresci, guardando as palavras pra mim. Vocês nunca saberão o que se passa comigo, porque vocês não se importam.  E esse meu nervoso momentâneo? Sabe o que é? É falta de conversa. Falta de entendimento entre a gente. É como um casamento : sem conversa, nada se resolve. Apesar de tudo, não posso deixar de amá-los. Sei que não digo, pois de vocês também não ouço. Mas amo demais. Porque apesar de tudo, vocês sempre estiveram comigo em momentos que precisei. Fizeram a parte de vocês. Pois um filho é pra se cuidar. Me desculpem por todas as vezes que os desapontei, que os deixei tristes. Nunca foi minha intenção. Foram buscas e tentativas em vão. Tentativas de atenção. Essas palavras provavelmente nunca chegarão até vocês. Mas talvez, seja melhor assim. É apenas um desabafo. É o que existe dentro de mim.

- Ray Motta -